O Império do Medo

Dizer que eu não gosto de televisão é no mínimo demasiado simpático.
Na verdade eu não suporto televisão.
Mas também não vou dizer que odeio, até porque isso implicaria um grande consumo de energia mental da minha parte. Simplesmente mete-me nojo. E nojo é uma palavra que descreve bem as convulsões viscerais que os célebres formatos televisivos me provocam.

E porquê?

Ora, eu não tenho nada contra filmes, documentários de qualidade, programas de informação ou entretenimento digno de tal nome.
O mesmo não posso dizer em relação à grande maioria dos noticiários, telenovelas, programas da manhã (ou da tarde), debates políticos, debates desportivos ou reality shows.



Foi por esse motivo que deixei de ver televisão há já muitos anos atrás, apesar de por vezes ainda ter a infelicidade de ver uma ou outra coisa (por vezes porque sou “obrigado” a assistir a um qualquer programa, e mais raramente tento perceber se alguma coisa mudou).
Lamento informar que… está tudo igual.

1- Os reality shows vivem de criar condições para explorar a dignidade dos participantes. Alguns deles terão noção das consequências, outros não estou bem certo. Sou da opinião que a necessidade de ganhar dinheiro não justifica que se explorem as pessoas para o mero entretenimento das “massas”. Os enforcamentos na praça pública também tinham muita audiência mas isso não justifica que se continuem a fazê-los.

2- Os debates políticos mostram o degredo, a falta de vergonha, a falta de carácter, a falta de palavra e a falta de honradez que impera no sistema político português. E a frequência com que são transmitidos provocam dois sentimentos equivocados: a sensação de que é tudo normal e aceitável; e o sentimento de impotência em relação à classe que nos governa.

3- Os debates desportivos servem apenas para espicaçar o público e alimentar os ódios de estimação clubísticos, contribuindo posteriormente para aumentar o sentimento de insegurança de quem vai a um estádio assistir a uma mera partida de futebol.

4- Os programas da manhã e da tarde servem para encher chouriço, não informam, não entretêm, não educam e os pontos altos daquilo são quando alguém conta uma desgraça pessoal ao país ou ao mundo, quando esmiúçam uma pseudo-notícia sobre uma pseudo-vedeta, ou quando um qualquer comentador encarna o papel dum personagem muito irritado com uma desgraça qualquer.

5- As telenovelas são uma interminável repetição de histórias de qualidade duvidosa, nas quais pouco ou nada se aprende, e que apesar de ainda se poder considerar entretenimento, no geral parecem uma campanha de estupidificação globalizada.

E por fim os noticiários...

6- A função dum noticiário deveria ser informar. E a função dum jornalista deveria ser relatar acontecimentos relevantes para a sua audiência. Ora, se alguém é dado como desaparecido e queremos lançar um alerta à população, isso é relevante. Se vamos ter de enfrentar uma tempestade, uma guerra, uma epidemia REAL, ou algo que possa colocar a população em perigo isso também é relevante. 
Agora o que não é relevante é falar diariamente (e ao longo de anos) de casos que estão em tribunal, de entrevistar testemunhas, de perseguir suspeitos, e de tentar decidir em praça pública quem é o culpado. Também não é relevante falar de todos os crimes que acontecem no país e no mundo, de todos os acidentes, de todas as desgraças, de todas as intrigas políticas e de todas as mortes que acontecem diariamente.

Se dão audiências?
Claro que dão!
As pessoas aprenderam a confiar na palavra dos jornalistas televisivos, e na sua capacidade de fazer chegar até elas, as informações mais relevantes. A questão é que hoje em dia os jornalistas televisivos, em nome do canal que representam, servem-se da autoridade que o público lhes atribui para espalhar o medo, porque sabem que o medo é algo importante no cérebro das pessoas.

Na ausência de leões ou lobos é “preciso” inventar medos e crises que prendam a atenção das pessoas durante todo o tempo que dura o programa. E com esta atitude aumentam a sensação de insegurança, o medo e contribuem também para o aumento dos níveis de violência. Porque num mundo perigoso é preciso ser ainda mais perigoso para poder sobreviver ou estar seguro. E a cada alerta de crise acabam por criar, acelerar e intensificar a própria crise.
Mas com sorte, os últimos 5 minutos servem para as boas notícias.

Será que não existem suficientes notícias positivas para encher 95% dum noticiário diário?
Porque a realidade é que 95% do dia de cada um de nós, não é gasto a matar pessoas ou a cometer outros crimes.
A realidade é que não há nenhum político que possa alterar a economia dum país democrático.
A realidade é que são as pessoas comuns que fazem um país crescer. São elas que criam empresas, empregos, e geram salários e impostos para construir infraestruturas e mecanismos de suporte a toda uma nação.

Mas o conteúdo criado e despejado no cérebro das pessoas desempenha um papel fundamental no sucesso de cada um.
E é por isso que as audiências estão em queda e vão continuar a cair nos próximos anos. As pessoas estão fartas de ter medo, e cada vez mais as novas gerações querem soluções ao invés de problemas. E ainda bem! Está na hora de acabar com o império do medo criado pelos media nacionais.

Comentários